Projetos culturais incentivados e os limites temporais para imposição de devolução de recursos públicos

Não raras vezes, proponentes de projetos culturais executados com recursos provenientes de incentivo fiscal são surpreendidos com questionamentos acerca do cumprimento do objeto e das despesas nele efetuadas depois de transcorrido o prazo de cinco, dez ou até quinze anos após a captação dos recursos e sua efetiva aplicação no projeto.

No caso de leis federais de incentivo à cultura, há situações excepcionais em que as diligências sobre dados financeiros da prestação de contas são realizadas após dez anos da execução do projeto no âmbito do Tribunal de Contas da União, sem que tenha havido qualquer movimento anterior por parte da própria autoridade administrativa competente.

A questão que se coloca é: a Administração Pública, no caso, a Agência Nacional do Cinema e/ou o Ministério da Cultura, estão submetidos a prazos prescricionais para reaver recursos glosados em prestações de contas? A pretexto de “atendimento ao interesse público”, os órgãos de controle da Administração não se submetem a qualquer lapso temporal para impor a devolução dos recursos pelo proponente?

Nossa atual jurisprudência, ao que tudo indica, vem apontando que SIM, isto é, existem prazos prescricionais para que as pretensões de ressarcimento ao erário sejam exercidas em âmbito administrativo e/ou judicial, ressalvadas as situações em que reste configurado dolo, má-fé ou ato de improbidade administrativa por parte do proponente.

Para que fique mais claro, entende-se por prescrição a perda da “pretensão do direito material pelo seu não exercício dentro do prazo estipulado em lei”[i]. A maior justificativa para a existência do instituto em nosso ordenamento é a necessidade de pacificação social, já que as relações jurídicas não podem ficar pendentes de solução indefinidamente, mesmo as firmadas junto à Administração Pública.

Por conta da previsão contida no § 5º do artigo 37 da Constituição da República[ii], durante muitos anos, a jurisprudência dos Tribunais Superiores era praticamente uníssona no sentido de que as ações de ressarcimento a serem propostas pela Administração eram imprescritíveis.

No entanto, no julgamento do Recurso Extraordinário (“RE”) nº 669.069, o Supremo Tribunal Federal firmou tese de repercussão geral no sentido de que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”, sendo feita a exclusão expressa de prejuízos decorrentes de ato de improbidade administrativa.

Posteriormente, o Supremo reconheceu a repercussão geral do tema tratado no RE nº 636.886, que discute a “prescrição nas ações de ressarcimento ao erário fundadas em decisão de Tribunal de Contas”. No caso concreto, houve omissão do dever de prestar contas por uma entidade privada sem fins lucrativos de recursos recebidos do Ministério da Cultura para fins de aplicação em projeto cultural, razão pela qual foi instaurada a respectiva Tomada de Contas Especial com a condenação da ex-dirigente da entidade a restituir aos cofres públicos os valores recebidos por meio do projeto.

No mesmo sentido, a Ministra Rosa Weber deferiu liminar em Mandado de Segurança nº 34.467/MC, impetrado contra atos do Tribunal de Contas da União, consubstanciados em decisões que pleiteavam a devolução de valores repassados há mais de 10 anos para execução de projetos. Na oportunidade, foi sustentado que decorrido mais de cinco anos entre a ocorrência dos fatos apurados e a realização de citação válida, no âmbito do processo administrativo de Tomada de Contas Especial, teria se operado a prescrição quanto à pretensão ressarcitória da União.

A questão ainda é controversa e depende de análise minuciosa de cada processo, da legislação pertinente e, especialmente, da verificação da presença, ou não, de causas suspensivas e interruptivas dos prazos de prescrição. De qualquer sorte, é muito importante estarmos atentos a esta nova diretriz traçada pelo Supremo que, ao lado da supremacia do interesse público, preserva o princípio da segurança jurídica em prol dos particulares.

Kátia Catalano
Cesnik, Quintino e Salinas Advogados
Gerente da Área de Direito Público
katia.catalano@cqs.adv.br

[i] Vide Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Anotado. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2003, p. 259.
[ii] § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Categorias: Institucional.