Cineastas, produtores, atores, técnicos, jornalistas e espectadores protestaram durante o fim de semana e toda a segunda-feira (22/2) contra a liminar que isenta as empresas de telefonia móvel de pagar a Condecine – contribuição que sustenta o Fundo Setorial do Audiovisual.
Nas redes sociais, as hashtags #nãodeixeoaudiovisualmorrer e #euconsumoaudiovisualnomeucelular vieram acompanhadas com fotos de pessoas que assistem a filmes e séries no celular ou em tablets. A manifestação aumentou desde a última quinta-feira, quando a Justiça Federal negou o agravo da Ancine (Agência Nacional de Cinema), que pediu a suspensão da liminar.
O parecer de uma das desembargadoras é favorável ao argumento do SindiTelebrasil, que reúne as operadoras (Vivo/Telefônica, Claro, Tim, Oi, entre outras), de que a associação não deve contribuir com o audiovisual por não integrar estritamente o setor. Sem a arrecadação das teles, a Ancine estima um prejuízo de R$ 1,1 bilhão para 2016, ou 74% de todo o Fundo. A contribuição é prevista na Lei 12.485/2011 e deveria ser feita até o próximo dia 31 de março.
Por ocasião da promulgação, as teles aceitaram pagar a contribuição e, em contrapartida, elas, que antes eram impedidas de atuar na distribuição de TV, tiveram permitida a entrada no mercado. A veiculação de produtos audiovisuais em suas redes contribui para a expansão dos negócios da telefonia brasileira.
Entre as centenas de postagens, os trabalhadores do audiovisual criticaram a atitude do SindeTelebrasil e de seus associados, que dizem uma coisa e fazem outra, exemplificada em propagandas endereçadas aos consumidores e futuros clientes, como no texto que se multiplicou nas timelines: “Segundo uma pesquisa apresentada pela Claro, atualmente, metade dos dados trafegados na rede 4G em todo o mundo já é de vídeos. A expectativa para 2021 é que esse patamar suba para 70%.”
“A solidificação do setor audiovisual brasileiro resultou em grandes e crescentes índices de bilheteria no cinema e a previsão de 2016 como seu melhor ano em todos os tempos”, diz o texto assinado por atores e diretores brasileiros, endossado ainda por entidades como a Associação Brasileira de Produtoras Independentes (BRAVI). “No mercado internacional, o audiovisual conquistou maior prestígio, como a indicação de uma animação nacional ao Oscar e as recentes premiações de séries brasileiras no Emmy”.
Segundo a TeleBrasil, o setor deixou R$ 60 bilhões para os cofres públicos no ano passado. Dessa soma, R$ 9 bilhões foram destinados a fundos setoriais de telecomunicações, incluindo os R$ 946 milhões da Condecine. Do outro lado, Ancine e produtores do audiovisual lembram que isso representa apenas 0,4% do faturamento bruto do setor. A TeleBrasil rebate, lembrando que a conta bruta não reflete o peso da taxa: em 2014, a Condecine representou, segundo o setor, 25% de seus lucros.
PRODUÇÃO PERNAMBUCANA
Os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual têm sido muito importantes para a manutenção do audiovisual pernambucano. Desde o ano passado, o FSA se tornou parceiro do Edital do Funcultura, com um aporte de cerca de R$ 10 milhões para a produção de longas e curtas-metragens para o cinema e seriados para a TV. Pelo programa Brasil de Todas as Telas, pelo menos quatro núcleos criativos foram criados com verbas mantidas pela FSA. A possibilidade de o setor ficar sem esses recursos é tida como desastrosa para os produtores locais.
O cineasta Paulo Caldas, codiretor de Baile Perfumado, ao lado de Lírio Ferreira – que foi um dos marcos da retomada do cinema brasileiro, no final dos anos 1990 –, tem a sensação de que a quebra do acordo da TeleBrasil é semelhante ao que o ex-presidente Fernando Collor de Mello fez ao extinguir a Embrafilme, no início daquela década. “A gente foi dormir, na noite anterior, e quando acordou estava sem profissão”, relembrou.
Caldas, que está à frente do núcleo criativo da Ateliê Produções, disse que a ação das empresas de telefonia é um retrocesso e que não vê consistência na ação. “É uma coisa grave, sobretudo para o cinema independente que se faz no Nordeste. Essa ação pode atrapalhar um dos poucos setores da economia brasileira que não está em recessão”, alertou o cineasta.
Além da Ateliê, várias outras produtoras pernambucanas também estão com seus núcleos criativos em andamento, entre elas a Rec Produtores, Cinemascópio, Trincheira e Símio Filmes. Leonardo Lacca, que lançou Permanência, seu primeiro longa-metragem, no ano passo, também vê a situação com muita negatividade. “Pensando na cadeia geral, isso impossibilitará o avanço do audiovisual como um todo. O FSA já se mostrou uma ideia muito bem pensada e desmontá-lo é muito grave. Acredito que isso também vai contra a própria lógica das empresas de telefonia móvel, que fazem propaganda de que não existe mais divisão entre o celular e a TV”, critica o cineasta.
Leonardo e os colegas Tião e Marcelo Lordello, da Trincheira Filmes, e Marcelo Pedroso e Daniel Bandeira, da Símio Filmes, estão à frente de seis projetos do núcleo criativo formado pelas duas produtoras.
Fonte: Jornal do Commercio