Cerca de 3,5% da população brasileira – algo em torno de 6,7 milhões de pessoas, segundo dados do Censo 2010 – sofre de algum tipo de deficiência visual severa, que resulta na incapacidade ou grande dificuldade de enxergar. São números expressivos dentro de um conjunto de 15,8 milhões de brasileiros que têm deficiências motoras, intelectuais e auditivas. Esta verdadeira multidão tem sido alvo, nos últimos anos, de uma série de iniciativas e novas leis destinadas a ampliar sua inclusão na sociedade. Parte importante desse esforço passa pela adoção de recursos de acessibilidade aplicados ao cinema e à televisão, dentre os quais a audiodescrição – a “tradução” de imagens em palavras, realizada de forma sincronizada com a ação na tela – merece destaque.
A audiodescrição pode ampliar o entendimento de pessoas com deficiência visual em qualquer tipo de evento cultural, gravado ou ao vivo: peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musicais, óperas, desfiles e espetáculos de dança, além de eventos turísticos, esportivos, pedagógicos e científicos. O espectador que não enxerga recebe, por áudio, as informações visuais que não estão contidas nos diálogos, como expressões corporais e faciais, descrições do ambiente, figurinos, efeitos especiais e mudanças de tempo e espaço.
“É uma interpretação bem objetiva, que responde a critérios definidos para passar o maior número de detalhes possível ao público”, explica Lívia Motta, que desenvolve projetos de audiodescrição desde 2005 e organizou o primeiro livro brasileiro sobre o tema (Audiodescrição: Transformando Imagens em Palavras). “Já foi comprovado que o recurso aumenta o entendimento não só das pessoas com deficiência visual, mas também enriquece a experiência de outros públicos, como pessoas com deficiência intelectual, idosos, autistas e analfabetos”.
Lívia Motta, autora do primeiro livro brasileiro sobre audiodescrição, desenvolve projetos sobre o tema desde 2005. © Ivan Dias
A oferta de produções audiovisuais que empregam a audiodescrição no Brasil ainda é limitada, mas vem crescendo desde o começo da década passada. Um exemplo recente de filme que já chegou ao mercado com o recurso disponível foi o longa O Tempo e o Vento, produção da Globo Filmes. Lívia Motta participou do processo, acompanhando a elaboração da audiodescrição, que foi feita em paralelo com a mixagem sonora do filme.
“Os produtores brasileiros precisam se conscientizar sobre as necessidades desta parcela da população e pensar na acessibilidade já desde a concepção dos projetos”, diz Lívia. Tendo a especialista como consultora, a área de Audiovisual do Senac São Paulo acaba de desenvolver um curso de audiodescrição voltado para produtores de cinema, teatro e TV, com carga horária de 160 horas. “Abordaremos possibilidades como a apresentação da audiodescrição ao vivo, em sincronia com a exibição, ou a incorporação do recurso a um DVD ou blu-ray, incluindo menus sonoros”, anuncia Lívia.
Por exigência legal, as emissoras de TV aberta precisam manter um mínimo de quatro horas semanais de programação transmitida com audiodescrição. A portaria nº 188 do Ministério das Comunicações determina a ampliação gradual desse tempo, chegando a 20 horas semanais até 2020. “As redes Globo e SBT já usam o recurso em alguns programas, assim como os canais geridos pelo governo federal, como a TV Brasil, a TV Senado e a TV Câmara”, detalha Mauro Garcia, professor da Pós-graduação em Produção Audiovisual: Projeto e Negócio, do Senac São Paulo, e diretor executivo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (BRAVI). “A responsabilidade pela adequação à lei cabe às emissoras, mas os produtores precisam estar atentos. O número de pessoas com deficiência é expressivo. Um exemplo claro é a crescente quantidade de anúncios comerciais de TV com audiodescrição disponível. O mercado publicitário sabe que trata-se de um público que não pode ser desprezado”, opina.
mauro garcia
Para Mauro Garcia, professor do Senac e diretor executivo da BRAVI, uso da audiodescrição é fundamental para ampliar o público potencial
Para Garcia, o importante é que produtoras e emissoras, cada vez mais, não se limitem apenas às exigências legais para usar recursos como audiodescrição e closed captions (legendas destinadas às pessoas com deficiência auditiva). “Há um movimento crescente para a ampliação do uso dessas ferramentas, desde a fase inicial das produções. É uma forma de ampliar o público potencial desses programas e filmes”.
O espaço Cine Senac apresenta reportagens elaboradas pela equipe de audiovisual do Senac em parceria com a Revista de CINEMA. O principal objetivo é trazer informações relevantes sobre esse setor. O conteúdo exemplifica o conhecimento que é gerado pela instituição.
Fonte: Vejam.com