RIO – Cary Joji Fukunaga já quis ser snowboarder. Chegou a competir pelo mundo, quando não estava jogando polo ou lutando capoeira, esporte que aprendeu na faculdade de Ciências Políticas e História. Depois de passar um período estudando na França, resolveu mudar seu curso. Finalmente o americano, filho de mãe sueca e pai descendente de japoneses, hoje com 37 anos, passou a se dedicar ao cinema. Seu maior sucesso até agora, porém, foi na TV. Ele dirigiu todos os oito episódios da elogiadíssima temporada inicial de “True detective”. Por ela, levou um Emmy de direção no ano passado, que colocou na estante ao lado da estatueta conquistada por seu primeiro longa, “Sin nombre”, no prestigioso Festival de Sundance, em 2009.
Assim como os protagonistas do primeiro ano de “True detective”, Matthew McConaughey e Woody Harrelson, Fukunaga não voltará para a segunda temporada da série criada por Nic Pizzolatto para a HBO. Seu único crédito na produção, que terá personagens e história diferentes, é o de produtor-executivo, mas ele mesmo admite não estar muito envolvido. E nem se ressente por isso. Pé no chão, sabe que estourar na televisão fortaleceu seu nome, mas garante que continuar à frente da série nunca esteve nos seus planos.
— “True detective” é claramente a coisa mais bem-sucedida que eu fiz até agora, os números e a resposta da crítica refletem isso. Mas é muito difícil definir o papel da série na minha carreira, já que ainda estou sob o efeito do sucesso da primeira temporada e trabalhando em futuros projetos. Não sei onde isso fica até que eu tenha feito mais coisas — conta Fukunaga, que veio ao Brasil participar de um painel do RioContentMarket ao lado do cineasta M. Night Shyamalan, na manhã da última quarta-feira.
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Os projetos imediatos de Fukunaga incluem uma adaptação do romance “Beasts of no nation”, do nigeriano Uzodinma Iweala, rodada em Gana e estrelada por Idris Elba (“The wire”, “Luther”). Em fase de finalização e antes mesmo de ter data de estreia definida, o filme já é apontado como promessa para o Oscar de 2016.
— Comecei a pensar em fazer “Beasts of no nation” antes mesmo de “Sin nombre”, que rodei no México. O livro fala sobre soldados mirins obrigados a lutar na guerra civil em um país africano, sob o comando de um demônio carismático. Estudei bem esse assunto na faculdade, e a história dessas crianças sempre me impactou visualmente e emocionalmente. É muito brutal — afirma Fukunaga, que esteve na Libéria e no Haiti para estudar as guerras civis e usou ex-membros da milícia de Gana no elenco, cheio de não atores.
Outra ideia desengavetada após o prestígio que ganhou com “True detective” é um remake de “It — A obra-prima do medo”, de 1990. Baseado na obra de Stephen King, o filme de terror foi estrelado originalmente por um Tim Curry travestido como o palhaço infernal Pennywise.
— Estou nesse projeto há uns cinco anos. Já havia lido outras versões do roteiro, mas nada que me parecesse correto. Todo mundo sempre tentava colocar muita coisa na história, contar a perspectiva do adulto e da criança em um filme de duas horas. Não cabia. Então decidi jogar tudo fora e começar do zero — explica o diretor e roteirista, que arrancou elogios entusiasmados de Stephen King. — Esse será meu primeiro filme nos Estados Unidos e ainda estou tentando descobrir quem é o cara perfeito para interpretar Pennywise. É muito bom saber que Stephen gostou do que fizemos. Nós (ele e os roteiristas David Kajganich e Chase Palmer) mudamos nomes, período (a história se passa originalmente na década de 1960), dinâmicas, mas o espírito é similar ao que ele gostaria de ver no cinema, acredito eu.
Como dá para perceber, seus interesses por temas e formatos são difusos. Outro de seus longas foi “Jane Eyre”, de 2011, baseado no clássico romântico de Charlotte Brönte, indicado a prêmios como o Goya. Entre os planos para o futuro, está uma ópera escrita em parceria com o canadense Owen Pallett, frequente colaborador do grupo Arcade Fire, sobre uma história de amor trágica. Quem sabe até ele faça um filme sobre a capoeira no Brasil.
— A ideia ainda não está formatada, mas não quero falar muito para não ser roubado — diverte-se, revelando um pouco mais após certa insistência. — Seria um filme de capoeira passado 20 anos atrás, e é tipo uma comédia. Joguei por 15 anos e parei há poucos anos. Sou “graduado” e tudo.
Curiosamente, não há nada previsto para a TV (mesmo que admita que “It”, por sua complexidade, poderia funcionar melhor em uma trama seriada), apesar do movimento recente que tem atraído grandes nomes do cinema para a chamada Era de Ouro da televisão.
— Na TV, é possível fazer obras centradas no desenvolvimento dos personagens, principalmente pelo tempo, que é muito maior. Há a oportunidade de criar papéis mais bem desenhados, para que os atores possam trabalhar melhor suas personalidades, o que é mais atraente para eles. Fazer séries é sempre um trabalho em progresso, mais orgânico, enquanto um filme precisa ser fechado antes, e uma vez que está terminado, não há como mudá-lo, como em um próximo episódio. A menos que você inicie uma franquia.
Apesar disso, Fukunaga assume que gosta mesmo é da tela grande:
— Cinema é o que eu sei fazer melhor. Estou acostumado a pensar em formatos de duas horas, gosto de trabalhar com tempo determinado. Mesmo em “True detective”, nunca senti como se estivesse deixando o cinema para fazer televisão. Organizamos a produção como se estivéssemos fazendo um longa-metragem. Fora que, diferentemente de uma série tradicional, foi um processo fechado: nós sempre soubemos que haveria um fim, o que me atraiu bastante.
Fonte : O Globo