‘Vai ser difícil um vilão tão bom como Kilgrave’, diz criadora de ‘Jessica Jones’

 

Melissa Rosenberg nunca tinha lido sobre Jessica Jones na HQ “Alias”, da Marvel, até que precisou criar uma série sobre a heroína para a Netflix.

Alheia ao universo dos superpoderes, a roteirista –indicada três vezes ao Emmy por “Dexter” e roteirista da trilogia “Crepúsculo”–, conquistou quem não é fã do gênero. A Netflix não revela dados de audiência, mas questões como estupro, protagonismo feminino e relacionamentos abusivos dominaram o debate sobre “Jessica Jones” desde que a série estreou, em dezembro.

Ela falou à Folha antes de vir ao Brasil para a feira Rio Content Market, nesta quarta (9). Leia trechos da conversa (atenção: há spoilers da primeira temporada).

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Folha – “Jessica Jones” ganhou um novo público para a Marvel. Foi intencional?

Melissa Rosenberg – Sim. Quis criar uma história comovente e real para quem, como eu, nunca leu HQ. Com personagens que se parecessem e se vestissem como gente real.

“Jessica Jones” não é sobre superpoderes, é sobre o empoderamento individual. Os superpoderes são apenas um acaso, não o que move a trama, que é a história de cura de uma garota que foi estuprada e abusada pelo ex-namorado [o vilão Kilgrave, que controla mentes]. Ele é um psicopata, como muitas pessoas reais.

Não tenho ideia de quem seja o público, mas recebi relatos de homens e de mulheres com experiências semelhantes de sobrevivência a violência sexual.

Qual a diferença de uma série concebida por uma mulher? Krysten Ritter, que faz a heroína, diz que se sente mais confortável nas cenas de sexo, por exemplo.

Concordo, existem sutilezas femininas. A série é sobre nos ver representadas, nos sentir poderosas. Não estamos acostumadas com personagens assim, com força e fragilidades.

O que achou da história quando leu a HQ “Alias”, que inspirou a série, pela primeira vez?

Comecei a trabalhar na história enquanto terminava “Crepúsculo” e “Dexter”. Ao mesmo tempo, na verdade. Procurava aos estúdios perguntando “o que vocês estão produzindo?”. Queria contar uma história de super herói, como o “Homem de Ferro”.

A [rede de TV] ABC, que é controlada pela Disney que, por sua vez, e dona da Marvel, me reuniu com o Joss Whedon, responsável pelas produções da Marvel para a TV. Ele me trouxe “Jessica Jones”.

Mesmo que você não seja fã de quadrinhos, “Alias” é tão lindamente escrito, que parece um romance convincente. É uma personagem cheia de nuances e ambiguidade moral. Era o que procurava durante toda a minha carreira.

Qual a diferença entre escrever para a Netflix e para a TV regular? Teve mais liberdade?

Liberdade? Acho que a maior diferença é que pude criar personagens muito mais sombrios. Se eu tivesse feito a série para a ABC, eles não seriam tão sombrios como eu gostaria.

Parece mais com um filme de 13 horas do que uma série de TV?

Sim, porque ninguém, além das pessoas envolvidas na produção, assiste até que tudo esteja pronto. Você não se preocupa com os comerciais no meio e não precisa perder tempo lembrando o público do que aconteceu no último episódio: eles acabaram de assisti-lo há 30 segundos.

Também não se preocupam com a audiência?

Não. Audiência, críticas… Claro, você quer saber se a série está indo bem, e obviamente foi, porque teremos a segunda temporada. Mas quando você escreve para uma rede de TV, sempre se preocupa com o dia seguinte, se um personagem está ou não indo bem.

Para o bem e para o mal, os únicos, além dos criadores, que veem a série são o estúdio e a Netflix. E eles são muito parceiros nesse sentido.

‘Jessica Jones’ é parte de uma parceria da Marvel com a Netflix, que inclui outras séries, como ‘Demolidor’, já em cartaz, ‘Luke Cage’ e ‘Os Defensores’. Como as histórias se cruzam, vocês trabalham todos juntos?

[Risos] Até parece! Eu vim depois de “Demolidor” e não sabia nada sobre o que eles estavam fazendo. Eu não sabia quase nada até que eu estivesse completamente imersa em “Jessica Jones”. “Luke Cage” virá depois de mim, e eles não sabiam de nada até eu ter escrito a minha história.

Então, a beleza disso é que cada série tem sua própria visão. A maneira como isso é administrado é pelo Joss Whedon, da Marvel. É ele que nos ajuda a esclarecer o que podemos ou não fazer, como o grande mestre, se preferir, que nos mantém no caminho. Mas ele não cria os roteiros.

Como foi a escalação de Claire, personagem de Rosario Dawson que aparece em “Demolidor” e no final da primeira temporada de “Jessica Jones”? Foi o Joss quem decidiu?

Sim. Certamente, ele apoiou a escolha. Procurávamos um caminho para mostrar, tocar o mundo “Demolidor”. Olhamos para todos os personagens, sobre qual seria uma maneira orgânica de cruzar com eles. Ela era a mais ligada à história que contávamos, e uma boa maneira de expandir nossa história.

Como estão os trabalhos para a segunda temporada?

Estou reunindo os roteiristas agora. Vamos pensar na história por alguns meses.

Tem algum prazo para começar a gravar?

Não por enquanto, não tenho nenhuma data. Só sei que preciso começar a escrever.

Já sabe quem substituirá o Kilgrave (David Tennant), vilão do primeiro ano? (SPOILER: Ele morre no último episódio)

Honestamente, não sei. Não comecei a planejar a história. O nível ficou muito alto com David Tennant como Kilgrave. Vai ser difícil arrumar um vilão tão bom.

Veremos Jessica vestir seu uniforme de heroína?
[Risos] Não sei, mas nunca digo nunca!

Fonte: Folha de S. Paulo