Fortalecimento da segurança jurídica na execução dos projetos culturais

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB – Decreto-Lei nº 4.657/42), em que pese anteriormente denominada como “Lei de Introdução ao Código Civil”, é um verdadeiro guia de aplicação e de hermenêutica do Direito em geral, devendo ser aplicada por todos os operadores do Direito, inclusive pela Administração Pública.

Na LINDB são tratados temas como: os prazos necessários para que a lei entre em vigor, denominada vacatio legis, as formas de supressão das omissões legais, as regras sobre as revogações tácitas e expressas das leis, os critérios de competência para aplicação do Direito Internacional, dentre outros.

Considerando as mudanças na sociedade brasileira, principalmente às ligadas ao princípio da eficiência que exigem da Administração Pública um Estado Gerencial, ou seja, focado nos resultados obtidos e na ampliação de parcerias entre o setor público e privado, a nova Lei nº 13.655/18, que tem por escopo alterar a LINDB, apresenta disposições basilares sobre o princípio da segurança jurídica e a aplicação do Direito Público, notadamente importantes para aqueles que executam projetos culturais com recursos incentivados.

Sobre segurança jurídica, o recente artigo 20 da LINDB dispõe:

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

A partir de agora, por exemplo, as condenações de reprovação de contas com a exigência de devolução total dos recursos por meras irregularidades formais devem ser objeto de recurso que requeira, expressamente, a demonstração da necessidade da medida e da adequação da decisão, comprovando-se inclusive que, frente a alternativas possíveis, esta é a melhor.

Na mesma linha, caso a Administração Pública inove as suas interpretações legais ao longo do tempo, por exemplo, impondo um novo dever a ser observado pelo proponente/gestor (glosas de despesas ou mudanças procedimentais), deverá criar regras de transição para que este novo dever incida de modo proporcional, equânime e eficiente, respeitados os interesses gerais e levando-se em conta os obstáculos e as dificuldades reais do proponente/gestor.

No que se refere às sanções administrativas, isto é, multas impostas pela Administração e pelos próprios Tribunais de Contas, necessariamente deverão ser consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o Estado, eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do infrator. Sem esses critérios, a multa poderá ser anulada em sede de recurso.

Nos chama muita atenção, especialmente, a nova disposição contida no artigo 27 da LINDB que indica:

“Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos.

  • 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.
  • 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos.”

Sobre medidas compensatórias, já tivemos a oportunidade de tecer algumas considerações em artigo anteriormente publicado (A Medida compensatória como forma alternativa de reparação de danos a União), onde defendemos que a nossa legislação atual avança para a possibilidade de permitir o uso de tais ações como forma complementar, alternativa e/ou substitutiva de ressarcimento, o que ainda faz mais sentido na área cultural, tendo em vista o artigo 215 da Constituição Federal.

Pois bem. A Lei nº 13.655/18 apenas reforça a nossa tese e nos dá mais elementos para que o ressarcimento, no caso de ação compensatória, seja substituído pelo cumprimento integral do objeto cultural, às expensas do proponente/gestor, de forma a atingir integralmente às finalidades das Leis de Incentivo, independente de legislação específica que trate sobre o tema, já que, como dito, as normas da LINDB são aplicáveis diretamente a todos os operadores do Direito, incluindo todos os órgãos e entidades da Administração Pública.

Kátia Regina C. Catalano

Gerente da área de Direito Público

Cesnik, Quintino & Salinas Advogados

katia.catalano@cqs.adv.br